segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte cinco

Aqui ficam o quinto e o último dia de festival pois são apenas três filmes. Aproveito para confirmar as minha expectativas iniciais: a Edição de 2021 revelou-se uma das melhores dos últimos anos. Venha daí 2022!

Nota: Estava bastante curiosa acerca de "The Night House" dado advir da lente de David Bruckner ("Southbound", "The Ritual"). Não me foi possível participar na sessão. Por isso, quedo-me por um "Mad God" que, UAU! Mas comecemos do princípio.

Dia V

Gaia

Salvem a mãe terra!

Como já tinha dito aqui, é estranho assistir a "Gaia" com um dia de diferença de "In the Earth". Os
filmes têm demasiadas similitudes. Os eventos decorrem em exclusivo na floresta. Esta parece ganhar vida à própria à medida que o elenco desbrava caminho pela natureza. Os protagonistas sofrem incidentes semelhantes na sua incursão natural pela natureza. Existe uma mensagem ecológica muito forte em alguns personagens. A ideia da natureza como um organismo com uma mente consciente. Ambos os cineastas revelam um fascínio por visões caleidoscópicos e processos químicos e biológicos. Quem ganha a aposta? Uma dica: não é o realizador mais conhecido.

Gabi e Winston são dois guardas florestais que se separam na floresta quando o seu drone cai na floresta. Ferida por meio de uma armadilha, quando ia recuperar o aparelho, Gabi acaba por ser acolhida por Barend e Stefan, uma dupla de homens que vivem em estado quase natural, desligados da vida moderna e dos seus companheiros de espécie. Winston, encontra a pior parte da floresta.

A experiência de "Gaia" acaba por ser muito mais terrena que "In the Earth", abordando temas como o luto, a desconexão entre pessoas, o consumismo desenfreado, o mito do bom selvagem o egoísmo humano ou o livre arbítrio. A vida em sociedade é complicada? Dá vontade de fugir? É possível. "Gaia" é uma trip no bom sentido. As sequências de beleza fúngica (acreditem que nunca pensei referir beleza e cogumelos na mesma frase) a surgir pelos orifícios mais estranhos e a multiplicar-se são estarrecedoras. Queria mais disto mas sem as inúmeras cenas em que a protagonista acorda de um sonho. Uma vez, duas vezes, ok. À terceira já começamos a revirar os olhos. "Gaia" exibe uma criatura mas é tão paralela ao que de mais há para apreciar que chamar-lhe um filme de monstros será só redutor. O body horror está mais próximo de um "Anihilation" na imagética e na interpretação do seu significado que um "Saw". Semelhante a outros filmes ou não "Gaia" apresenta uma visão suficientemente singular. Se vos oferecerem destes cogumelos aceitem.

The Deep House

O prazer reside no conceito.

Eu nem quero imaginar como foi o pitch deste filme. "Tipo: é uma casa assombrada... debaixo de
água". Só consigo imaginar os produtores de pé a bater palmas e a perguntar quando começam as filmagens. É que nem precisaram de uma sinopse para me convencer a assistir ao filme. As casas assombradas são, regra geral um conceito cansado. Portas que rangem, barulhos que vêm do escuro... É uma fórmula e como todas as fórmulas, passado algum tempo, cansa. Do que este subgénero necessita é de inovação. Que ninguém me venha dizer que uma casa assombrada debaixo de água não é inovador porque mostra ignorância quanto ao género de terror e quanto ao conceito de inovação. Juntar a tensão própria do sobrenatural ao terror claustrofóbico da submersão é um golpe de génio e mais, pode ser o mote para um novo subgénero de sucesso.

Um casal passeia pelo sul de França filmando-se a entrar em casas assombradas para ganhar  dinheiro com as visualizações no seu canal de youtube. Ele é um viciado na adrenalina. Ela, mais medrosa acompanha o namorado nas aventuras por amor. É por demais claro em diversas oportunidades para voltar para trás que ela preferia ter umas férias como gente normal. Quando o casal mergulha na casa dos Montagnac revelam-se segredos para os quais nunca podiam estar preparados.

"The Deep House" tem certamente alguns problemas. Custa-me entender como é que o casal, mesmo aceitando a indicação de um estranho com ar muito suspeito, não sendo perito em mergulho, aceita avançar por águas desconhecidas sem qualquer mapa submarino ou ter um plano B de socorro caso a experiência corra mal. E é certo que corre MUITO MAL. Desde os instantes iniciais a protagonista demonstra uma fragilidade que a irá acompanhar e à audiência como um lembrete de tudo quanto pode correr mal debaixo de água e não são necessariamente fantasmas. Estes são aterradores mais que não seja pelo visão pouco natural através da água turva. Mas o maior susto e que faria a audiência da sala Manoel de Oliveira saltar das cadeiras foi provocado por um peixe. Ainda assim, as minhas palmas para a cena reminiscente do "Jaws" e que resultou. Já o acompanhamento do casal enquanto atravessam as divisões da casa são o arder em lume brando com a excitação acrescida do perigo real de falta de ar. Altamente recomendado para fãs de terror em busca de emoções novas.

"Mad God"

Do repugnante se fez um mundo.

Afirmo sem pudor ou hesitação que "Mad God"  é a obra mais interessante, mais criativa e visualmente impressionante da edição do MOTELx de 2021. Nada me podia preparar para esta obra de Phil Tippett.
Nada. Pensar que "Mad God" é um trabalho de avanços e recuos. Que demorou 30 anos a ser completado e precisou de apoio através de crowdfunding. Tantos anos depois demonstrou ter amplos truques na manga. É surpreendente. Mas também aviso, se os filmes de extrema brutalidade não são a vossa preferência não é "Mad God" que vos vai fazer mudar de ideias. Quando muito só vai repelir e aumentar o vosso asco ao estilo. Eu estive naquela sala cheia (dentro das normas possíveis em tempos de pandemia) e assisti a algumas desistências.

"Mad God" não choca pelo prazer de chocar, como tenta fazer um Tom Six ou "A Serbian Film". É sobre o inferno na terra após a entidade superior considerar a humanidade além salvamento. O Homem causou o inferno na terra que provocou a sua extinção. O que sobra é não natural, primário, feio, nojento, brutal e Phil Tippett não se coíbe de nos mostrar tudo isso em toda a sua fealdade, em stop motion. Ao invés de fugir o foco é tudo o que é horrendo como se estivessemos a ver o quadro "Jardim das delícias terrenas" do Hieronymus Bosch com uma lupa. Da destruição surge a criação, como Tippett não de cansa de mostrar sobre a forma de metáfora. Detesto a expressão "cinema de autor". Todas as obras têm uma autoria. No entanto, se quiserem saber o que é uma visão singular, vejam "Mad God". Sugestão? Vão de estômago vazio.

domingo, 12 de setembro de 2021

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte quatro

O quarto dia de festival, foi aquele em que a mensagem foi o meio e foi o fim. Também se revelou um dia inferior às expectativas.

Dia IV

Amusement Park

A mensagem de Romero

Esqueçam tudo o resto que pensam que sabem sobre George Romero e foquem-se apenas no seguinte: era um realizador altamente consciente da sociedade em que estava inserido. O racismo, o consumismo desenfreado, humanos como meros veículos de pulsões primitivas... nada lhe escapava. Será para sempre conhecido pelos filmes de zombies. Pensar neles como horror gratuito é no mínimo redutor. Por isso, quando este documentário perdido, foi encontrado e restaurado pela Fundação George Romero, instituída depois da sua morte, não assistir não era uma opção. Tudo à volta de "Amusement Park" é intrigante. Foi criado para uma campanha de sensibilização de uma Sociedade de Serviços Luterana do oeste da Pensylvannia com vista a dar visibilidade para o abandono e tratamento negligente dos cidadãos idosos. Chegou a ser lançado, sendo rapidamente esquecido e guardado. Só em 2017 foi encontrada a única cópia existente que passou por um trabalho de restauração. A sinopse? Um velhote simpático tenta aproveitar um momento de lazer num parque de diversões. À medida que o tempo passa, este vai-se tornando cada vez mais infernal e começa a testar o seu espírito.

"The Amusement Park" nada tem de divertido. É uma visão infernal da inevitabilidade do envelhecimento com tudo que de mau tem associado: a invisibilidade, a descrença, o paternalismo, a negligência e até asco. O velhote apenas quer divertir-se dentro das suas limitações e a humanidade egoísta não se pode dar ao trabalho de uma palavra de compaixão. O único momento de alívio advém na forma de criança mas até este é rapidamente posto de lado, devido aos adultos à sua volta. O filme é cansativo na exposição da sua mensagem, bombardeando continuamente os nossos sentidos. Não é uma experiência cinéfila agradável. Se a metáfora é óbvia, não parece existir uma mensagem de esperança. Saímos esgotados, vazios e pessimistas quando ao envelhecimento. Brilhante na mensagem, parco na execução. I was not amused.

In the Earth

Visões cósmicas ecológicas

É estranho falar deste filme um dia após assistir a "Gaia", concorrente direto na exposição dos mesmos temas. E no entanto, com todas as similitudes são muito diferentes.

Este "In the Earth" é Ben Wheatley no seu mais brutal. Percebo agora que ele está à vontade em qualquer cenário. Seja numa garagem com armas de fogo ou na clareira de uma floresta com gadgets tecnológicos, ele vai partir-nos a cabeça com o seu suspense e forçar-nos a sentir cada momento dos seus heróis torturados.

Joel Fry interpreta Martin um cientista que envereda por uma floresta com a sua guia Alma, para encontrar a Dra. Olivia Wendel que está a estudar aquele solo fértil em busca de uma solução para a humanidade na natureza. A viagem começa a correr mal quase de imediato. São atacados e despojados de mantimentos por desconhecidos e depois Martin é ferido e deixado a coxear descalço pela floresta. A aventura piora quando ficam à mercê de Zach, um homem há demasiado tempo na floresta e que venera uma entidade desconhecida. Para ele Martin e Alma são meros veículos. Um meio para atingir um fim misterioso. A Dra. Wendel não parece muito melhor. Desconectada da realidade. Louca? Desde cedo somos avisados que a floresta tem um efeito estranho nas pessoas. Será a loucura do isolamento? Algum processo químico nos fungos? A paranoia pós-pandémica?

O par de protagonistas é sujeito a tortura por via humana e dos equipamentos colocados na floresta que provocam explosões de som, visões caleidoscópicas e flashes de luz encadeante. Estes, em particular são também capazes de desorientar e provocar respostas físicas na audiência. A organização do festival devia ter tido o cuidado de avisar o público para a natureza das imagens, designadamente, de fotossensibilidade. Tenho ainda a impressão de já ter visto visões caleidoscópicas mais interessantes no passado. Se gostam de rótulos, "In the earth" pode encontrar-se alegremente nos subgéneros de eco e folk horror com o ocasional gore. Hoje em dia mesmo filmes mais contidos já apresentam o seu q.b. de gore. Num filme de Wheatley, tal não surpreende. “In the Earth” provaria ser inferior às expectativas mas ainda assim consistente o suficiente para fazer avançar o género eco-horror, o qual, suspeito, num contexto de alterações climáticas ainda se vai multiplicar e democratizar nos próximos anos.


Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte cinco

sábado, 11 de setembro de 2021

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte três

 Um dia marcado pela boa disposição.

Dia III

Alien on Stage

On stage everyone can make you laugh

Se não estivesse familiarizada com o fenómeno "The Room", quase acharia estranho o conceito de um grupo de teatro amador composto por motoristas de autocarro de uma pequena vila inglesa, levar uma adaptação séria de "Alien" ao palco. 

Depois de dar vida a pantominas divertidas em natais anteriores para angariar fundos para caridade, a decisão do grupo de criar uma peça inspirada no icónico filme de Ridley Scott confundiu muita gente.

A encenação revelou-se um fracasso. Passaram de natais de casa cheia para apenas 20 pessoas. Uma adaptação séria de Alien não equivalia às habituais comédias de Natal. Agora, podia dizer que a estória ficou por aqui mas tal não seria verdade. 

No meio do escasso público encontravam-se duas londrinas que encontraram um flyer sobre a peça que as intrigou tanto que as levou a conduzir três horas para assistir à peça. O resultado não podia ser mais feliz: elas fizeram da sua missão levar a peça aos palcos de Londres. O melhor? Conseguiram.

O documentário “Alien on Stage” é o caminho desde os ensaios penosos e de imaginação fértil amadora até aos palcos do West End. É a estória da Cinderella, se esta conduzisse um autocarro. 

A candura daquele grupo de pessoas ordinárias, que se vêm surpreendidas pelo amor à pequena peça que fizeram com alegria e ingenuidade fazem deste documentário o momento feel good do festival MOTELx de 2021.

O valor de "Alien on Stage" não reside na componente técnica mas nas emoções que provoca. Como documentário não existem muitas ideias. É quase amador. De facto Lucy Harvey e Danielle Kummer têm pouca experiência como uma breve passagem pelo IMDB vos poderá demonstrar. Sobra um amor incomensurável pelo material. Amam o filme “Alien” e amam a dedicação daquele grupo de pessoas, tratando-as com o máximo de respeito. Se aplicarem a mesma paixão aos próximos projetos e adquirirem mais experiência talvez nos possam vir surpreender.

“Alien on Stage” não é sobre actores à procura do estrelato. É sobre pessoas normais, com trabalhos normais que fazem o melhor que podem com os parcos meios de que dispõem. Nas horas livres dos trabalhos a tempo inteiro decoram textos, montam cenários e arranjam soluções criativas para encenar uma peça muito difícil e nada óbvia de levar ao palco. Um chestburster de espuma a fazer a sua estreia no palco ao vivo? Brilhante. A despeito de alguns momentos de autoconsciência como um encenador que se recusa a perder a paciência enquanto é filmado ou uma das actrizes a censurar os palavrões que lhe pesam na alma, é nas interações reais entre o grupo amador que o documentário ganha vida. Impossível assistir e não ficar bem disposto.


Sweetie you Won’t Believe it

A comédia física, música cazaque e a descrença entram num bar e…

Já posso riscar da minha bucket list ter assistido a um filme do Cazaquistão e posso confirmar que foi a surpresa positiva do 3º dia.

Confirmo que “Sweetie you Won’t Believe it”, mantém a tendência de comédias de terror inesperadas que vêm de mansinho e roubam o coração da audiência depois de “One Cut of the Dead” ou “Extra ordinary”. Ri-me tanto com aquele aquele último que quase tive contracções. #truestory

“Sweetie you Won’t believe it” segue a alegre tradição da comédia de enganos.

Farto de Zhanna, a sua mulher grávida ultra exigente, Dastan só quer um bocadinho para si, antes de o bebé nascer. Sem sequer saber pescar marca uma fugida para ir pescar com dois amigos, longe das preocupações do quotidiano. Quer o acaso que assistam a um homem a ser assassinado por causa de um negócio que correu mal e põem-se em fuga do bando de malfeitores pelo meio da mata. Pelo caminho cruzam-se com um serial killer temível, um pai e uma filha muito estranhos (a sério, o que é que aquela gente põe na água?) e a realização de que Zhanna entrou em trabalho de parto. Será que conseguem fugir dos bandidos? Será que conseguem chegar antes que a criança nasça? E se chegarem a tempo, será que a mulher não irá matar, ela própria Dastan, por ter dado de frosques?

O filme é acompanhado por uma excelente banda-sonora, um mix de folk com eletrónico cazaque que admito já, não me importava de ouvir de novo. Faz recordar as comédias tailandesas e outros filmes mais mainstream como “Tucker & Dale vs Evil”, sem passar por parente pobre. Em particular a sequência de eventos que desembocam numa autêntica bola de neve são um pequeno toque de génio. Digamos que a culpa de tudo quanto sucede no filme pode ser atribuída à mulher grávida. 

Não é isento de erros, incluindo alguns subenredos que podiam ser melhor explorados: Dastan tem as finanças numa miséria. Nos instantes iniciais é focada uma reportagem sobre o desaparecimento de três mulheres. É mostrado um álbum que demonstra um acontecimento vital na vida do serial killer. O par pai e filha é tão peculiar que mereciam mais minutos só para eles. Estas e muitas outras questões ficam por explorar e isto leva-me a uma sugestão: teria sido muito interessante desdobrar este “Sweetie” numa mini série, acompanhando cada grupo de personagens e as suas estórias já que são estas que dão cor ao guião. Não faço ideia como se irá materializar a distribuição internacional deste filme mas estejam atentos. Vale a pena o esforço.


Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte quatro


sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte dois

O segundo dia festival manteve o padrão do dia de abertura, com duas opções que não podiam ser mais diferentes.

Dia II

Post Mortem

O primeiro filme de horror húngaro

O marketing apresentou ostensivamente "Post Mortem" como a primeira longa-metragem de terror desse país.

Não sei se essa afirmação está correta, mas se for verdadeira, é uma estreia que augura um futuro risonho para o género neste país.

"Post Mortem" acompanha Thomas, um ex-soldado que teve uma experiência de quase morte durante a I Grande Guerra e agora ganha a vida integrando uma caravana itinerante onde fotografa os mortos, como forma de dar uma última lembrança às suas famílias. É lá que conhece Anna uma menina que já tinha visto antes: na visão que teve quando quase morreu. Ela também lhe desperta a curiosidade para a sua aldeia, plena de cadáveres não enterrados, dado o solo estar congelado.

"Post Mortem" encontra algumas parecenças no cinema asiático e no horror mainstream como um "Insidious" mas mantém uma identidade própria, distinta.

Aborda tópicos tão dispares tematicamente e tão próximos historicamente como a fotografia de mortos, as feiras de freaks, a I Guerra Mundial ou a Gripe Espanhola. Qualquer um deles seria merecedor do seu próprio filme. No entanto, funcionam coesos neste "Post Mortem".

Thomas queda-se numa aldeia como tantas outras por um mundo devastado pela Guerra. As pessoas estão traumatizadas. Já quase não há homens. Há mulheres, crianças e velhos. E estes foram os que conseguiram sobreviver à gripe espanhola.

A cinematografia esplêndida faz um trabalho delicado de demonstrar pessoas afetadas de modo profundo pelos eventos já mencionados e de enveredar numa jornada sobrenatural, sem fazer pouco dos seus traumas reais. Onde se perde é na relação entre Thomas e Anna, natural nos inícios do século XX, porém perturbadora à luz da época atual. Desculpem lá qualquer coisinha se me faz confusão, ainda por cima num país onde se pretende proibir a homossexualidade por esta supostamente conduzir à pedofilia. A nível técnico, de referir também os efeitos gerados por computador que não são perfeitos mas também não comprometem. Vou estar muito atenta ao cinema húngaro e vocês também devem estar.

After Blue

Pesadelo psicadélico soft core

Por onde começar? O trailer fazia adivinhar uma película diferente com alguma inspiração de um "Mad Max" com a tolice psicadélica de "Flash Gordon" e os filmes de série B e sexploitation dos anos 80. Contudo, NADA me podia preparar para o que iria ver.

Num futuro distópico, os humanos habitam um novo planeta, intitulado "After Blue", após a terra ser destruída. A colonização não correu bem na totalidade. Os homens não se conseguiram adaptar ao novo ambiente e acabaram por morrer, consumidos por pêlos que lhes cresceram nos órgãos (EW). After Blue é então habitado por mulheres, que procuram dar seguimento à espécie através de inseminação artificial e de uma sociedade justa e pacifista.

Roxy, mais conhecida por Toxic, pelas suas amigas encontra numa praia uma mulher enterrada até ao pescoço na areia, deixada para morrer afogada. Apesar, das advertências das amigas, ela desenterra a mulher, maia conhecida por Kate Bush, que foge não sem antes matar as suas amigas. Julgada pelas outras mulheres Roxy e a sua mãe cabeleireira, são obrigadas a perseguir e matar a assassina se quiserem ser reintegradas na sociedade. O que se segue é a sua jornada pelo planeta exótico. A ação é intercalada com exposição através de uma conversa em jeito confessional em que Roxy é questionada acerca do seu comportamento e desejos mais íntimos.

Chamaram-lhe um "acid sci fi erotic western". Infelizmente, os rótulos atribuídos se podem fazer aparentar "After Blue" fascinante também conseguem transmitir como este filme é uma mescla incoerente. É lindo de ver? Por vezes é. A visão de Bertrand Mandico não conhece igual. Dou-lhe isso. Gostava de ver mais no futuro? Sim. Precisava de mais estória? Também. Entre o despertar sexual de Roxy e até da mãe Zora e a procura por um espírito comunitário inexistente, não há motivo para me importar seja com quem for. São tudo personagens egoístas, agarradas às suas pulsões de sensualidade ou violência, que querem viver nos seus termos, por mais caprichosos que possam ser. Bertrand Mandico usa e abusa da sexualidade. Entre as inúmeras sessões de masturbação ou interações mais ou menos sensuais, nenhuma é em demasia para a sua objetiva. A sua visão está mais próxima da obsessão do sexo pelo sexo, desde o explícito ao sugerido -  um terceiro olho acima da vagina, criaturas cuja morfologia faz lembrar uma vagina ou a quantidade de vezes que a protagonista se acaricia -, até vomitarmos a imagética pelos olhos, que em explorar a sensualidade feminina. E são duas horas disto gente. Ok. Já percebemos. São seres livres, à descoberta que desejam pertencer a um grupo. A esse propósito, informo que não vou integrar o grupo de fãs de “After Blue”.

Próximo: Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte três


quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte um



Em modo de retorno pleno ao MOTELX em modo de fingimento que não existiu uma pandemia punitiva pelo meio e, com a expectativa de que a edição de 2021, se materialize como uma das melhores de sempre. Sim, leram aqui. É porventura um dos melhores cartazes dos últimos 5 anos. O veredito será dado no fim do Festival. Vamos a jogo!

Dia I

"The Green Knight"

O Rei quer ouvir um conto de bravura.

A sessão de abertura abriu com o onírico “The Green Knight”, uma longa de David Lowery baseada nas lendas arturianas.

Numa primeira impressão “The Green Knight” não deixa margem para dúvidas: é um filme da A24. No entanto, tem uma identidade muito própria. 

Green-Knight-Dev-Patel-Garwain
Dev Patel interpreta o jovem Garwain, sobrinho ocioso e inconstante do Rei. Quer muito impressionar o tio, mas o nível de esforço não acompanha o desejo. Numa noite de Natal surge um cavaleiro verde, uma besta mística que desafia a Távola Redonda para um jogo. Quem aceitar o seu desafio poderá desferir-lhe um golpe mas atenção, daí por um ano, deverá cavalgar ao seu encontro e deixar o Cavaleiro Verde devolver o ferimento. Garwain aceita o desafio sem refletir sobre as consequências e corta-lhe a cabeça. O Cavaleiro Verde sobrevive e larga uma gargalhada triunfal. Daí por um ano a cabeça de Garwain irá voar.

É um equívoco pensar que se irão seguir contos heroicos de capa e espada, duelos sangrentos, a morte de dragões ou o resgate de donzelas escondidas em castelos remotos.

“The Green Knight” é muito mais sobre a natureza que nos rodeia e humana que os caprichos de cavaleiros em demandas fúteis.

Inclui uma Alicia Vikander hipnotizante, numa linha ténue entre anjo e bruxa, entre o real e ilusão, por vezes uma espécie de consciência por outras, como um desafio àquilo que Garwain toma como certo. Dev Patel é o cavaleiro atormentado por uma escolha irrefletida, querendo encontrar o seu lugar no mundo, ainda que a sua expectativa de vida possa ser bastante inferior ao que desejava. Com pouco diálogo, a sua face é um espelho permanente de tudo o que não se encontra no galante cavaleiro dos contos: indecisão, temor ou confusão. Se ainda têm dúvidas de que Patel é um excelente actor, permitam-se ver este filme.

“The Green Knight” é contemplativo, é belo, é simbólico. A natureza é luxuriante. Por vezes é rica, é a vida, como o nascer de uma nação. Por outros é imperdoável, brutal, como o apodrecer de corpos enviados para uma guerra. A verdade encontra-se algures entre a lenda e a versão não linear que nos é contada por Lowery. Mas, oh que linda, é!


"The Samejima Incident"


Tudo o que está errado com o atual cinema japonês.

Recordam-se dos tempos áureos do cinema japonês em que em meio mundo, incluindo Hollywood, se faziam remakes de tudo o que este lançasse? Eu também não.

Nana reúne-se com o seu grupo de amigos numa reunião em formato virtual dado o contexto de pandemia. A dada altura surgem imagens perturbadoras do cadáver de uma das suas amigas e vêem o seu namorado a ser arrastado por uma força estranha. De súbito, todos se tornam prisioneiros nas suas próprias casas e começam a ser acossados por uma força sobrenatural. Entretanto, um deles acaba por confessar que num desafio, dirigiram-se a uma casa onde teria ocorrido um assassinato bárbaro e que terá recaído sobre eles uma maldição… Será que conseguem quebrar a maldição antes que seja tarde de mais?

Como já perceberam “The Samejima Incident” envolve uma maldição (estão chocados eu sei) que está associada a uma lenda urbana (ainda mais chocante). O mais curioso de “The Samejima Incident” é que os argumentista/realizador deve ser fã do David Fincher. Se não, vejamos, “The first rule of fight club is you do not talk about fight club”, ora, segundo a maldição se os personagens mencionarem o incidente, a morte irá recair sobre eles. Oops. Depois, a dada altura e sem contexto, surgem os 7 pecados mortais conectados ao incidente chocante. O que é isto? O cinema japonês a copiar o ocidental?

Se viram o britânico “Host” (2020), filme-sensação da pandemia filmado quase totalmente através do ZOOM, “The Samejima Incident” é mais do mesmo, com uma concretização inferior.

O cinema japonês precisa de uma séria reinvenção. Não existe instrospecção sobre o conteúdo que é apresentado. São sequências inteiras de repetição de cenas antes icónicas, que mancham o legado dos filmes que homenageiam e banalizam e ridicularizam os novos filmes. Em 2020, já não faz sentido espreitar em armários para ver de onde provém o barulho. E muito menos que miúdos nascidos no novo milénio e conheçam os Ringu e “The Grudge” desta vida, continuem a congelar de terror. Seria interessante os novos talentos do cinema japonês, espreitar além-mar, para a Coreia do Sul e aprender com uma indústria muito mais criativa e consolidada. Orçamentos limitados não podem ser desculpa para a falta de ideias.

Costuma-me horrores dizer isto mas, se é para o MOTELX continuar a assegurar que o terror japonês contemporâneo tem presença no seu programa, mais vale não ter nenhum filme deste país.

Próximo: Notas de um Festival de Terror, Edição de 2021 – parte dois

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