domingo, 15 de julho de 2012

"Merantau Warrior" (Merantau, 2009)


Os ritos de passagem da adolescência à condição de adulto são qualquer coisa de extraordinário que só as culturas que os possuem podem compreender na totalidade. Nos países ocidentais, o mais parecido com “tornar-se homem” é capaz de ser a perda de virgindade. Entre as mulheres é mais ou menos consensual a identificação do surgimento da menstruação com uma superior maturidade emocional. De facto, é curioso verificar noutras culturas a existência de práticas temerárias como saltar sobre bois desencabrestados ou fazer tatuagens dolorosas em todo o corpo, com a afirmação da masculinidade. Na ilha de Sumatra, vinga, entre o povo Minangkabau a tradição do “Merantau”, que leva a que os rapazes abandonem o conforto do lar, à procura de experiência e sucesso que possam depois trazer para a comunidade. A ideia não é uma diáspora sem retorno, mas a importação de conhecimento que contribua para o crescimento e bem-estar da população Minangkabau.
No meio rural, entre os criadores de plantações de tomate, Wulan (Christine Hakim)  despede-se do filho mais novo, Yuda (Iko Uwais). Ela recorda-se bem das adversidades que o filho mais velho enfrentou e pede a Yuda que não siga a tradição. Ela acredita que o filho não precisa de cumprir o “Merantau” para demonstrar o seu real valor mas ele está decidido. Ele quer seguir as passadas do irmão que tanto admira e passar pelo mesmo que os seus antepassados antes de si. É um dever.O teste de Yuda inicia-se logo que chega a Jakarta. O sítio onde iria pernoitar foi demolido. Sem um tecto sobre a sua cabeça, com pouco dinheiro no bolso e pouco mais que a comida que a mãe embalou, a aventura ainda mal começou. Yuda é incapaz de permanecer impassível perante a injustiça então, quando vê Astri (Sisca Jessica), ser atacada por bandidos ele intervém. Sem o saber, intromete-se no caminho de uma rede tráfico de escravas sexuais e os criminosos não vêm com bons olhos interferências no seu ganha-pão.
Segue-se uma luta implacável entre um gangue e o jovem lutador de silat (artes marciais) pela rapariga. O gangue quer fazer de Yuda um exemplo e ele, só pretende resgatar Astri das garras dos criminosos. A narrativa é bastante standard: rapaz conhece rapariga; rapariga está envolvida com uns vilões e, qual cavaleiro andante, ele vai resgatá-la e vivem felizes para sempre. Mas “Merantau” não é uma estória com um final feliz. Certos pormenores revelam que por trás de uma estória simples se encontra uma boa direção de actores e coreografia de acção.
Christine Hakim, a veterana e galardoada actriz que interpreta Wulan, traz ao seu curto papel uma doçura maternal, estimável em qualquer parte do mundo. O Eric de Yayan Ruhian funciona como uma espécie de anjo negro. É ele, quem na viagem para a selva urbana de Jakarta, desfaz as ilusões de Yuda e o prepara para o duro choque com a realidade. É muito difícil vingar na capital, ainda mais sendo um jovem provinciano que desconhece a vida da cidade. Já a espevitada Astri é a vítima perfeita para o tipo de crime que é retratado. Abandonada pelos pais e com o irmão pequeno para cuidar, dança num clube duvidoso para se poderem alimentar. Sem alguém para a proteger, pouco faltará para a forçarem a prostituir-se e o irmão Adit (Yusuf Alia), acabar nas ruas a mendigar. Os bandidos dividem-se em dois tipos: os estrangeiros que pretendem “exportar” mulheres do arquipélago e os indonésios que as vendem. Destes, quais os piores?
Na verdade, Yuda é o único ser humano, em todo o filme, que se opõe a tal prática. Os que só vêm cifrões à frente não se compadecem do sofrimento alheio. Os restantes ignoram o que se está a passar ou fecham os olhos ao que está à vista… Qualquer dos três: o “louco” Yuda, Astri e Adit, podiam desaparecer que ninguém iria à sua procura. Resta desvendar se “Merantau Warrior” é um conto caucionário sobre a presença dos estrangeiros no país, se uma crítica à ausência de valores da selva urbana. É um jovem provinciano, ainda por corromper, que se insurge contra o crime e tenta salvar inocentes. É nesta reflexão que se encontra o assombro de uma estória aparentemente banal e na força explosiva do silat, a sua espectacularidade. As cenas são dotadas de um realismo impressionantes cuja edição é depois limada na colaboração seguinte de Uwais e Evans, “The Raid – Redemption”. Se intencional ou não, atentem, em particular, ao confronto final, que parece uma homenagem a “Who Am I” (1998), no qual, Jackie Chan defronta dois lutadores, no topo de um arranha-céus. A acção e o desenvolvimento da narrativa acabam por resultar como as mais-valias de “Merantau Warrior”, uma lufada de ar fresco que deverá agradar a fãs do género e a iniciados. Quatro estrelas.

Realização:  Gareth Evans
Argumento:  Gareth Evans
Iko Uwais como Yuda
Sisca Jessica como Astri
Christine Hakim como Wulan
Mads Koudal como Ratger
Yusuf Alia como Adit
Alex Abbad como Johni
Yayan Ruhian como Eric
Laurent Buson como Luc

Próximo Filme: "The Eye", (Gin Gwai, 2002)

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