quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Space Battleship Yamato, (Supesu Batorushippu Yamato, 2010)


Ah o espaço, alvo de ínfimas versões que pertencem aos sonhos molhados dos fãs mais ardentes da teoria de que existem seres inteligentes nas estrelas. Em quaisquer versões “eles” são mais inteligentes, embora, seja sempre o Homem que acaba por resolver os conflitos iniciados pelos alienígenas e a ter o ónus da superioridade moral. Vá-se lá perceber porquê. “Space Battleship Yamato” baseia-se na série anime dos anos 70 (74-75), que com apenas 26 episódios, conquistou um espaço no imaginário japonês e mundial, de tal modo, que ao longo dos anos proliferou o mercado de novas séries, filmes para TV, mangá e todo o tipo de merchandising que possam imaginar. Os ocidentais são capazes de reconhecer a série pelo nome “Star Blazers”. Se me pedissem para classificar “Space Battleship Yamato” diria que é um híbrido de “Star Trek”, “Battlestar Galactica” e “Star Wars”.
A versão japonesa possui um elenco fixo de notáveis, uma tripulação facilmente reconhecível e com a qual o fã desenvolve uma relação de quase dependência como sucedia com “Star Trek” e “Battlestar Galactica”. É muito complicado “matar” uma personagem sob pena de sofrerem a fúria dos fãs. Mas as semelhanças não se ficam por aí, focando-se num poderoso comandante, confiante na sua equipa, de raciocínio em tudo superior, side-kicks robóticos e personagens-tipo facilmente identificáveis entre as séries. Onde Susumu Kodai é James T. Kirk (William Shatner), Yuki Mori corresponde a uma Starbuck (Katee Sackoff). E onde o sentimento de aventura é apurado, tendo por pano de fundo paisagens e planos ofegantes, as relações humanas não podiam ser menos exploradas à boa maneira do subgénero de ficção científica tão odiado, space opera, qual “Star Wars”.
“Space Battleship Yamato” apresenta uma humanidade em decadência, forçada a viver debaixo de terra para escapar à radiação, que aposta numa viagem final da única nave de combate que resistiu ao ataque dos gamilas, uma espécie alienígena apostada em levá-la à extinção. A “Yamato”, comandada pela mão de ferro do experiente e respeitado Capitão Okita (Tsutomu Yamazaki), deixa a Terra com uma pista, uma capsula com as coordenadas para o planeta Iskandar, a base da espécie invasora. Quem sabe o que poderão encontrar por lá. Entre a tripulação encontra-se o cabeça-quente Susumu Kodai (Takuya Kimura) que acredita que o Capitão Okita é o culpado pela morte do seu irmão Mamoru e a temperamental Yuki Mori (Meisa Kuroki). Se a perspectiva do que se encontra no final da viagem é fascinante, o caminho para lá chegar é uma estopada. Na ideia de contentar os fãs da série que atravessa várias décadas, o argumentista demonstrou voracidade tremenda no sentido de apresentar todos os personagens queridos. Alguns não possuem mais do que segundos de ecrã e apenas servem para confundir quem não está integrado naquele universo. Meia dúzia de personagens inconsequentes desviam o foco da acção principal e não auxiliam o desenvolvimento dos que realmente conduzem o filme. Isso explica que em pouco mais de 130 minutos de filme, Susumu passe de intempestivo, a moderado e, finalmente, o herói que todos sabiam que ele tinha dentro dele, sem que exista um grande motivo para tal. Pior sorte tem a adorável Meisa Kuroki, cuja personagem parece uma feminista tal como é percepcionada por um machista. Eu explico melhor. Ela é toda fogosa e combativa porque tem falta de sexo. A sério. A partir do momento em que enceta um romance toda ela é cores rosadas e uma ternura que, minutos atrás, não imaginávamos que tivesse.
A acção é o que seria de esperar de um super-orçamento e é nas cenas de combate espacial entre os caças terrestres e as naves Gamilas que se encontram os momentos mais divertidos. Os miúdos, em particular, acharão um mimo. Apenas não esperem um argumento brilhante. O objectivo é agradar aos velhos conhecidos sem alienar novos espectadores. Mas, eu, céptica, aqui me confesso: por regra não apoio a existência de sequelas porque raramente fazem sentido. Em “Space Battleship Yamato”, com qualidade técnica e bons actores que tão-somente tinham papéis subdesenvolvidos, mais valia tem partido a estória em dois ou três filmes para explorar com calma o material que tinham entre mãos. Duas estrelas e meia.

Realização: Takashi Yamazaki
Argumento: Shimako Sato, Yoshinobu Nishizaki (estória) e Leiji Matsumoto (mangá)
Takuya Kimura como Susumu Kodai
Meisa Kuroki  como Yuki Mori
Tsutomu Yamazaki como Capitão Jūzō Okita
Toshirō Yanagiba como Shirō Sanada
Yusuke Santamaria como Yuji Oda
Naoto Ogata como Daisuke Shima, chief navigator
Reiko Takashima como Dra. Sado

PS: Créditos Finais - música pirosa do Steven Tyler. Mau flashback de 1998.


Próximo Filme: "The Road", 2011

domingo, 27 de janeiro de 2013

Kirasagi, 2007



Os momentos fantásticos de cinema só acontecem duas, três vezes num ano. Isto, se tivermos sorte. Quando se vêem filmes à velocidade da luz – estão disponíveis em todo o lugar, a qualquer altura, eles desaparecem, como memórias sem importância das mentes sobrepovoadas. Com actores magníficos à disposição, argumentistas dignos das maiores honras, realizadores com “a visão” e rios de dinheiro para gastar sumptuosamente em todos os aspectos técnicos é fascinante descobrir que a futilidade e o desperdício não só não diminuíram como aumentaram. E depois há aqueles pequenos filmes que só conseguem acertar num dos membros da equação e eclipsam os meses terríveis que lhe antecederam.
Kisaragi é um desses pequenos milagres. Para este milagre acontecer só foram precisos cinco actores, um cenário e um realizador capaz de transformar a visão de Ryota Kosawa numa possibilidade. 
Um ano após a morte de Miki Kisaragi uma pin-up de série C, cinco fãs que mantêm um fórum online de homenagem à modelo falecida de modo de precoce num incêndio, decidem fazer uma festa comemorativa da vida e trabalho dela. À medida que os cinco homens “Yuji Oda” (Yusuke Santamaria), “Strawberry Girl” (Teruyuki Kagawa), “Snake” (Keisuke Koide), “Iemoto” (Shun Oguri) e “Yasuo” (Muga Tsukaji) exploram o material que lhe sobreviveu começam a suspeitar que a morte de Miki poderá não ter sido um acidente.
O argumento explora de modo divertido os grupos de fãs das celebridades, as suas ansiedades e psicoses escondidas sobre aparências normais. Um rapaz bonito que poderia ser considerado uma pessoa capaz de estabelecer e manter relações com facilidade, dedica-se, afinal, à obsessão com um estranha tendo chegado a enviar-lhe 200 cartas. Outro, esconde-se por trás de uma alcunha de mulher e revela um conhecimento profundo da celebridade que roça a perseguição. No vazio das suas vidas entregaram-se à veneração de uma rapariga bonita com poucos talentos. Ela era uma celebridade apenas nas suas cabeças. Antes de se tornar famosa, se é que alguma vez isso iria suceder, morreu de modo trágico. A linha de jornal mais importante da sua vida, foi o seu óbito! Enquanto os homens discutem sem pudor os pormenores de uma vida semi-pública, eles analisam a fome de fama, a importância de uma família estruturada, os managers sem escrúpulos, a necessidade de se possuir talento real para se ser famoso, os fãs que exigem demais de pessoas normais. Miki era uma rapariga divertida mas teria ela uma face oculta? Ela tinha uma vontade de vencer no mundo das pinups femininas a todo o custo sob uma aparência inocente? Ela era a rapariga inocente que estava mal aconselhada? O que levou à sua queda. A depressão por saber que a fama nunca iria chegar? A solidão? Os falsos amigos? O manager exigente? O que matou Miki? Se calhar foi ela própria. A reunião redunda numa caça ao culpado, que pode muito bem ser um dos cinco homens.
Entre momentos divertidos nos quais os fãs se tentam ultrapassar na quantidade de conhecimento da modelo e o humor de casa de banho que até diverte, há todo um mistério policial subjacente que faria um escritor do género orgulhoso. Mas Kisaragi não é nem uma comédia, nem um drama, nem um thriller. É tudo junto e com sucesso. Se quisermos recorrer a outras referências cinematográficas e literárias, “Twin Peaks”, 1990-91 e “Rebbeca”, 1940 estarão no topo da lista. Eles são uma súmula de tudo quanto Kisaragi apresentou com sucesso: uma personagem principal que faz as delícias da audiência masculina e comanda a narrativa a despeito de surgir em breves flasbacks, a maioria das vezes, sem sequer vermos a sua face. Não precisamos na verdade. A despeito do mistério que a envolve ela é uma personagens mais transparentes e mais dissecadas que se viu em ecrã. A apoiar Miki está um elenco fantástico, de realçar o “Strawberry Girl” que alterna entre o assustador e um homem digno de piedade. Quatro estrelas.

Realização: Yuichi Satô
Argumento: Ryota Kosawa
Shun Oguri como Iemoto 
Teruyuki Kagawa como Strawberry Girl/Musume Ichigo 
Keisuke Koide como Snake
Yusuke Santamaria como Yuji Oda
Muga Tsukaji como Yasuo
Kanako Sakai como Miki Kisaragi




Próximo Filme: Space Battleship Yamato, 2010

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Mononoke (2007)


“Mononoke” é uma série de 12 episódios que segue as aventuras do misterioso viajante vendedor de remédios depois de uma primeira aparição em “Bakeneko”, o terceiro capítulo de “Ayakashi – Samurai Horror Tales”. “Mononoke” é um espírito ou espectro que assombra um local específico ou persegue alguém. Alberga intenções malévolas ligadas aos objectos de assombração. Desta feita, a animação está dividida em cinco estórias independentes cuja única ligação é o vendedor nómada (Takahiro Sakurai) com a capacidade esplêndida de surgir sempre no local certo, à hora certa.



Capítulo I (Episódios 1-2)
“Zashiki-warashi” – Shino, uma mulher grávida roga que a deixem pernoitar num albergue a pretexto de que a vida do seu bebé corre perigo. Inicialmente contrariada, a dona do albergue deixa-a entrar e atribui-lhe o quarto mais distante. Cedo Shino começa a ouvir risos de crianças e a encontrar brinquedos espalhados por todo o lado. Só há um pormenor: naquela noite não havia nenhuma criança lá instalada.

Capítulo II (Episódios 3-5)
“Umibozu” – Durante uma viagem de barco o vendedor de remédios e os restantes passageiros são atraídos para o Triângulo do Dragão, um mar que, diz o folclore, estar repleto de espíritos prontos a atrair os navegadores incautos para a morte. Com o barco a ser atacado pelos espíritos inquietos, o vendedor de remédios terá de encontrar entre pessoas tão diferentes como Kayo ex-serva na casa dos Sakai (“Bakeneko” da série “Ayakashi”), dois monges budistas, um samurai, um menestrel ou o ganancioso dono do barco, sobre qual impede a maldição do espectro, antes que sejam todos arrastados para o fundo do mar.

Capitulo III (Episódios 6-7)
“Noppera-bo” – Ochou está prestes a ser executada por ter assassinado toda a família do marido. O abuso de que foi alvo pela nova família não a deixa ver senão a possibilidade de ter sido ela a cometer o acto hediondo apesar de não se recordar de nada. Será que ela foi alvo de um encantamento e o verdadeiro culpado do crime foi um Mononoke?


Capítulo IV (Episódios 8-9)
“Nue” – Três homens disputam a mão da dama Ruri, a única herdeira da escola de incenso Fuenokouji. Ela desafia-os a entrar numa competição de incenso para desempate. Aquele que conseguir identificar o maior número de aromas será o escolhido para a desposar. À medida que a competição se desenrola, os pretendentes começam a revelar as verdadeiras razões por trás da pretensão. É motivo suficiente para despertar o ressentimento de um espírito malévolo?


Capítulo V (Episódios 10-12)
“Bakeneko” – Em jeito de homenagem ao episódio que deu origem à série “Mononoke”, este capítulo junta uma série de desconhecidos num comboio, unidos por um segredo sórdido. Durante a viagem inaugural são encurralados na última carruagem, começando a ser colhidos um a um, pelo Bakeneko. Para não serem a próxima vítima deverão revelar o seu pecado mortal.

Todos os episódios apresentam a animação característica de “Bakeneko” e que constituiu, em grande parte o seu êxito. A animação está repleta de influências num estilo que já tinha apelidado anteriormente de “pesadelo de um unicórnio”. A colocação de cores pode parecer aleatória mas existe, como em tudo o resto um sentido de causalidade. As influências incluem desde a animação japonesa tradicional baseada nos antigos manuscritos do país até motivos externos desde o surrealismo à Art Nouveau, cores com textura misto de técnicas tradicionais e modernas, existindo mesmo, em “Umibozu”, um quadro que é uma inspiração óbvia de “O Beijo” de Klimt. O capítulo menos ousado em termos da utilização da cor é “Nue”, o qual, durante a maior parte da acção sucede em tons de cinzento que, como perceberão mais adiante não está desligado dos acontecimentos. A estética mais singular pertence a “Bakeneko” que ocorre durante os loucos anos vinte. Aí, numa estação de comboios repleta de gente, os ilustradores decidiram retirar tudo o que era acessório e todos os que não intervêm directamente na estória, não são senão, despojados manequins. Também aqui a explosão de cor é mais contida mas, por oposição apresenta algumas das personagens com maior densidade emocional da série. Pergunto-me também, se estas opções ousadas não foram também motivadas para marcar diferenciação do “Bakeneko” de 2006, ocorrido durante o Japão feudal e que tanta admiração causou. Entre as narrativas mais interessantes encontram-se “Noppera-bo” e “Nue”, o primeiro por a acção ocorrer mais num plano pessoal e introspectivo, como numa conversa interior e o segundo, não só por arriscar num estilo de animação diferente dos episódios anteriores como por ser um dos episódios que mais penetram na cultura japonesa e nesse sentido se demonstrar refrescante. “Umibozu” é o episódio mais representativo do “pesadelo do unicórnio” e, mais que não seja, vale pela ilustração. Podíamos ver o filme sem som e sem legendas e sair fascinado do visionamento. Já “Zashiki-warashi” e “Bakeneko” puxam pelos instintos de protecção da mulher, como ser frágil. E se isto já era verdade em “Ayakashi - Samurai Horror Tales”, continua a ser verdade em “Mononoke”, as tragédias que se abatem sobre a mulher têm sempre uma maior proximidade com a realidade que as restantes.
Mas dizia antes que em “Mononoke” nada é obra do acaso e, de facto, a série está pejada de momentos de simbolismo da vida, da morte e dos pecados do homem que levam à sua queda prematura. No entanto, esta moralidade é momentaneamente esquecida quando à representação da mulher diz respeito. A pele alva e comportamento comedido correspondem à pureza de espírito e inocência, enquanto a pele escura e o atrevimento são característicos da insolência que é vista com desaprovação. O vendedor de remédios, a única constante da série, a despeito do mistério que envolve, passado algum tempo torna-se maçador pois não existe evolução da personagem. A audiência é perpetuamente fascinada pelo vendedor de remédios que tem o condão de surgir sempre que há um espirito maléfico presente, pelo seu humor negro e, fundamentalmente, lacónico, mas a série termina como começou. Nada se sabia do vendedor no início e terminamos sem qualquer resolução nesse aspecto. O seu discurso, episódio após episódio é idêntico: forma (katachi), verdade (makoto) e kotowari (razão) e o modo de combate ao mal, aterrador, por vezes, também. Mas a grande lamentação e o maior elogio que se pode fazer a “Mononoke”, foi o facto de Hashimoto (animação) e Nakamura (realizador) não terem brindado o público com mais material original sobre o vendedor de remédios que combate o mal. Um dos melhores mistérios sobrenaturais de animação que já vi. Quatro estrelas.
Realização: Kenji Nakamura, Kouhei Hatano, Masayuki Matsumoto, Nama Uchiyama e Sumio Watanabe
Argumento: Chiaki J. Konaka, Ikuko Takahashi, Manabu Ishikawa e Michiko Yokote
Designer de Animação Takashi Hashimoto


Próximo Filme: Kisaragi (2007)

domingo, 20 de janeiro de 2013

"The Cabin in the Woods", 2011


Poucas coisas são uma constante nesta vida. Como aquela piada que tão bem nos recorda dessa realidade quando diz que a seguir à 3ª Guerra Mundial só vão restar as baratas e a Cher. Aqui no Not a Film Critic acrescentaria, vão restar as baratas, a Cher e… o Joss Whedon. Por entre séries que ninguém admitia ver mas eram um sucesso de audiências, séries que eram vistas por todos mas cujas estatísticas, revelavam afinal, um fracasso, qual Gloria Gaynor, ele foi sobrevivendo. Ele sempre teve um je ne sais quoi de ousado que apelava a uma parte da audiência e alienava a outra parte. Há quem precise tanto de ver um filme com o nome de Whedon associado como de trepanação. Pensem na Diablo Cody sem as drogas e o strip (sim, definitivamente sem strip, que a visão do Whedon nu não deve ser uma experiência agradável).
Mas enfim, algures lá no meio do seu jeitinho descarado do género, “sou um génio incompreendido”, ele tem umas ideias fixolas. “The Cabin in the Woods” é um desses momentos.
Todos os anos estreia pelo menos um filme onde um grupo de jovens adultos pouco abonados de massa cinzenta vão para o meio de um bosque onde acabam por a) ser assassinados à facada, b) comidos, c) abusados ou d) todas as alíneas anteriores. Whedon decidiu juntar-se este ano à corrida com um twist apesar de o trailer aparentar mais do mesmo. E de facto estão lá todos: o atleta, a loura burra mamalhuda (como convém), o drogado, a virgem e o bom rapaz. Escusado será dizer que com Whedon nada é o que parece e ele lança-se numa senda desesperada para quebrar convenções enquanto nos dá mais do mesmo. Até certo ponto funciona. Whedon não é o primeiro a brincar com esta ideia mas é o primeiro a usá-lo neste contexto. Aí recolhe algum mérito mas depois faz o que não devia. Cai na tentação de ser tão megalómano como os que lhe precederam e comete os mesmos erros. Os personagens revertem nos estereótipos que Whedon começou por criticar. Acabam por cumprir os destinos que lhes estavam destinados, passe a redundância. Existirá maior anticlímax?
O filme “morre” não quando percebemos que o jogo está viciado mas quando compreendemos que o argumentista nada faz para contrariar a cadeia de acontecimentos trágicos. E o pior de tudo é que o Whedon parecia ser aquele que iria contrariar a tendência e não teve coragem. Ainda não será desta que ele vai conquistar a audiência mainstream que há muito se anuncia. “The Cabin in the Woods” é tão pouco consensual que é presença comum em listas de melhores e piores do ano. Melhor pela desconstrução do género do terror. Pior por não atingir as alturas que anunciava. Aquele poster inspirado pelo M.C. Escher é qualquer coisa de extraordinário, artístico até. Fica a promessa por cumprir. Resta saber se Whedon ainda tem mais dentro dele.
E não digam o contrário por que não é verdade. Ele acobardou-se. Quem tem coragem faz pequenas gemas como “Tucker & Dale vs. Evil” (2011) e “Shaun of the Dead” (2004). Quem não tem acaba com “The Cabin in the Woods”. Três estrelas.

Próximo Filme: Mononoke (2007)

domingo, 13 de janeiro de 2013

“Zatoichi” (Zatôichi, 2003)



É difícil levar uma pessoa a sério quando a primeira memória que temos dela é de a ver pular e vociferar na série “Takeshi’s Castle”. Em Portugal a série foi transmitida no 3 canal com o nome “Nunca Digas Banzai”. O nome profissional do Takeshi Kitano à época era Beat Takeshi. Repito, como podia uma pessoa levá-lo a sério?

Eis que uma pessoa cresce, torna-se adulta, busca filmes a oriente e descobre que Takeshi reservava o lado sério para as actividades de representação e realização, onde optou por material mais taciturno. “Zatoichi” é uma obra revivalista da série de filmes imortalizada entre os anos 60 e 70 pelo actor Shintaro Katsu. A série tinha como herói Zatoichi, um massagista cego, que escondia uma aptidão para a luta com espada que só revelava quando se encontrava perante situações de injustiça. Kitano recuperou o personagem tomando para si os papéis de realizador, actor e argumentista. Ao invés de tentar emular o Zatoichi mais clássico de Shintaro, Kitano empresta-lhe a sua visão própria, o motivo mais notório, um cabelo curto de um louro platinado contrastante com as longas melenas negras tradicionais.
“Zatoichi” inicia-se com o personagem deambulando por entre uma localidade pobre, na qual os aldeões são explorados até ao último centavo por gangues mafiosos que não hesitam em destruir, pilhar, expropriar e matar para atingir os seus fins. Zatoichi cruza-se com Oume (Michiyo Ohkusu), uma aldeã que luta para sustentar a casa, já que o sobrinho Shinkichi (Taka Gadarukanaru) estoira os escassos recursos no jogo. O massagista cego ajuda-a a carregar um fardo e a mulher deixa o desconhecido pernoitar na sua casa, pela gentileza. Numa localidade acossada Oume confia na bondade do massagista. Ele é um homem de poucas palavras mas rapidamente provoca impressão na comunidade, a habilidade para o jogo e os reflexos de fenomenais de samurai não escapam ao olhar dos vilões que se prestam a dar-lhe uma lição. Mas Zatoichi esconde mais do que a vista alcança. Depois de uma vintena de filmes bem cotados, a última coisa que Kitano necessitava era de copiar o que já existia e foi isso mesmo que evitou. A palavra que melhor descreve o seu Zatoichi é subtileza. Há um afastamento consciente do protagonista da acção. Ele só serve para atar as pontas. A narrativa flui naturalmente sem a influência de Zatoichi, como se por algum motivo predestinado os dados já tivessem sido lançados. Ele só intervém quando parece já não existir resolução para os problemas que o rodeiam. Porque apesar da aparência indiferente ele preocupa-se com os desamparados, a marca de um samurai honrado, com ou sem visão. O samurai Hattori (Tadanobu Asano) é um samurai que aceita um trabalho para pagar os medicamentos da mulher doente. Asano surge também ele comedido no papel de antagonista com uma aura tão dual quanto a de Zatoichi e irá revelar-se o seu adversário. Zatoichi apesar de herói oculta um lado negro, enquanto Hattori, apesar da bondade intrínseca não pode evitar trilhar o caminho que escolheu. Mas assim que são tomadas determinadas decisões não há como lhes escapar.
Os problemas, onde eles existem encontram-se no ritmo lento deliberado e na utilização do computador para recrear os efeitos de sangue. Tendo por base tempos antigos e uma história antiquada salpicos de sangue apenas soam a preguiça. A intenção poderá ter sido, à semelhança do cabelo dourado, conferir um toque de modernismo à partitura. Esse momento está guardado para o momento musical final. É também possivelmente uma estória demasiado clássica. Já a vimos antes em “Seven Samurai” (1954) e “13 Assassins” (1963 e 2011) e em bastantes outros filmes desde então. No entanto, resulta. “Zatoichi” é mais um sinal de que por vezes menos é mais. Quatro estrelas.

Realização: Takeshi Kitano
Argumento: Takeshi Kitano
Michiyo Ohkusu como Oume
Tadanobu Asano como Hattori Gennosuke
Taka Gadarukanaru como Shinkichi
Daigoro Tachibana como Geisha Osei
Yuuko Daike como Geisha Okinu



Próximo Filme: “The Cabin in the Woods”, 2011

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Por uma definição justa de pirataria


A pirataria é um mal que paira sobre a Humanidade. Todas as semanas, navios de praticamente todas as nacionalidades correm grandes riscos de serem abordados por piratas somalis nos Mares Arábico e Índico. Enquanto isso é um atentado à integridade física de pessoas e um roubo de produtos físicos - e a também antiga contrafacção de artigos coloca em risco a vida ou a saúde das pessoas - os governos e entidades mais ou menos oficiais preocupam-se principalmente com um tipo de pirataria bem mais ofensivo ou perigoso: a democratização do conhecimento cultural, através da partilha de conteúdos digitais.

Os conteúdos digitais foram uma invenção da indústria. Dando variedade de formatos e portabilidade, tencionavam vender mais, mais depressa e com maior lucro. E tal como no tempo dos gravadores de VHS, os consumidores contornaram as regras. Se há vinte anos as revistas apoiavam o consumidor fornecendo capas e códigos para gravar à hora certa, agora são os próprios fornecedores de serviços televisivos a permitir a gravação e visionamento posterior com um mínimo de esforço. E isso é legal porque, apesar de os fabricantes de conteúdo não gostarem, como são empresas que o fazem pagam impostos, continua a ser negócio. Os consumidores agradecem o serviço prestado.

Vender DVD contrafeitos é ilegal. Porque nesse cenário não ganha quem faz o conteúdo, nem quem o vende paga impostos sobre o seu trabalho. O consumidor agradece pagar menos do que por um bilhete de cinema ou uma cópia oficial e, como os tempos estão difíceis, já sente que é justo cortar numa despesa “supérflua” como é o entretenimento.

Disponibilizar conteúdos online equivale ao anterior porque, atingindo determinada escala, começa a arrecadar quantias consideráveis de dinheiro com a publicidade.

E se quem os coloca online não estiver a ter lucro, nem a roubar a ninguém? Esse era o caso do blog My One Thousand Movies. Os três mil filmes que tinha eram clássicos que não se encontram à venda nem passam na televisão. Pretendiam dar a conhecer o património cinematográfico da humanidade. Serviam para descobrir cineastas esquecidos e obras de culto, mas com pouca resolução para que ninguém se sentisse tentado a ficar com essa versão em vez de se dedicar a procurar no mercado convencional de importação uma versão melhor. Outra vantagem é que no My One Thousand Movies todos os filmes tinham legendas em português ou numa língua mais ou menos compreensível. Na importação não.


Dia 16 de Dezembro foi fechado pela Google sem qualquer aviso por incentivo à pirataria. Estamos a falar de filmes quase impossíveis de encontrar no mercado, que em nada rivalizavam com a versão comprada, se existisse uma, e que tinham no máximo uma centena de downloads provenientes de todo o mundo, não apenas de Portugal.

O que o My One Thousand Movies fazia era complementar (ou substituir) a missão da deficiente televisão pública de educar cinéfilos. Muitos bloggers recorreram a este repositório para rever um título acarinhado, ou, a partir do filme e da pequena resenha que o acompanhava, fazerem publicações com as quais muitas outras centenas de pessoas ficaram com vontade de descobrir um cinema marginal e esquecido.
Isto não é pirataria, é serviço público, e é preciso (re)definir o enquadramento legal adequado.

Se alguém errou no meio disto tudo foram as distribuidoras que não viram interesse em comercializar os filmes. Ninguém o pode ver porque não compensa comprar os direitos e fabricar para pouca gente? Sugeríamos que houvesse um videoclube online no qual, por um valor simbólico, se pudesse ver o filme contribuindo para a distribuidora. A distribuidora não teria encargos com a manufactura de cópias físicas que ficariam a ocupar espaço em armazém.Os consumidores exigentes encontrariam o que queriam imediatamente sem remexer em caixotes de promoções nas superfícies comerciais.

Os retalhistas não estão interessados em ter uma cópia única de milhares de filmes que poderão nunca vir a comercializar, mas estariam interessados em vender cartões pré-pagos de acesso a esse serviço, como fazem para as consolas.Se o preço fosse suficientemente baixo toda a gente poderia espreitar e talvez descobrir algo único.

Enquanto este tipo de serviço não existir, estaremos sempre dependentes da boa vontade, dedicação e cultura de pessoas como o autor do MOTM. Mesmo que achem que isso vai contra a lei. De todos nós, obrigado.

Signatários
Ana Sofia Santos Cine31 / Girl on Film
André Azevedo BD no Sótão
André Marques Blockbusters
António Tavares de Figueiredo Matinée Portuense
Armindo Paulo Ferreira Ecos Imprevistos
David Martins Cine31
Eduardo Luís Rodrigues EddyR Corner
Francisco Rocha My Two Thousand Movies
Gabriel Martins Alternative Prison
Johnny Kino O Desconhecido do Norte Expresso
Inês Moreira Santos Hoje Vi(vi) um filme / Espalha-Factos
Jorge Rodrigues Dial P for Popcorn
Jorge Teixeira Caminho Largo
Luís Mendonça CINEdrio
Manuel Reis Cenas Aleatórias / TV Dependente
Miguel Lourenço Pereira Cinema
Miguel Reis Cinema Notebook
Nuno Reis Antestreia
Pedro Afonso Laxante Cultural
Rita Santos Not a Film Critic
Samuel Andrade Keyzer Soze's Place / O Síndroma do Vinagre
Victor Afonso O Homem que Sabia Demasiado






quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

“Zombie 108”, (Z-108 qi chen, 2012)


Diz que é o primeiro filme de zombies a sair de Taiwan. Diz que nunca de lá devia ter saído.

Sabem aqueles filmes que, passados 15 minutos de visionamento nos questionamos sobre o nosso juízo quando decidimos ver aquilo? Este é um desses infelizes casos. Oitenta e oito minutos de sofrimento atroz. E nem é como se estivesse a tentar ter piada. “Ah e tal mas ele não é nenhum Romero!” - realizador de praticamente todos os grandes filmes de zombies do século XX. Pois não. Mas infelizmente também não chega aos calcanhares de um Edgar Wright (“Shaun of the Dead”, 2004). A melhor descrição que encontrei desta trapalhada foi “AVISO: PODE PROVOCAR DISSONÂNCIA COGNITIVA, à medida que começam a surgir pessoas do nada, sem qualquer tipo de contextualização. Os efeitos secundários incluem desconforto, cefaleias, o vómito, diarreia, convulsões, breves episódios psicóticos ou ódio extremo por este filme.” – Tradução de excerto da crítica do site Quiet Earth.
Podia e provavelmente devia quedar-me por aqui mas não sou pessoa de dar a outra face. E se este filme me deu um bofetão, daqueles com direito a deixar os dedos bem marcados por umas horas na cara, não me deixo abandonar o barco sem vos explicar porque deverão evitar esta desculpa de filme.
Instantes iniciais, cena típica: uma mulher acorda após um acidente de carro, o companheiro morto ao lado e a filha desaparecida. Após vaguear pelo Carrefour local ( uma das várias marcas infelizmente contempladas com o foco especial da lente do Chien), Linda (Yvone Yao) chega à conclusão que está rodeada de zombies. E a audiência chega à conclusão que ela não sabe correr. Assim que sai do hipermercado encontra logo a filha Chloe. A partir desta cena mais ou menos com poucos recursos, que copia todos os lugares-comuns existentes, incluindo os tais mamilos proeminentes (até sugeria que a pobrezinha estava com frio mas se estava com uns calções ultra curtos...) “Zombie 108” é sempre a decair.
Não há nada que descreva com justiça aquilo que vi. Apenas posso fazer uma tentativa débil. "Zombie 108" é uma sequência orgíaca de lesbianismo, sexo, apalpões, longos close-ups de mamas e rabos, mais alguma acção, entrada e saída de actores vários, estrangeiros; depois gangsters e polícias, lutam todos entre si, algures lá se decidem a combater os zombies, seguem-se mais personagens aleatórias, morrem personagens aleatórias, entra tarado sexual que inicia uma sucessão de violações, humilhações e sevícias com animais vivos (polvo?), todos os caminhos vão dar ao covil do tarado, entra serial killer, mais escaramuça, depois é a vez de entrar em cena um monstro. E, acreditem que por essa altura já me encontro num estado de estupefacção. Pelos vistos o orçamento do filme foi suportado por cerca de 900 pessoas demasiado generosas. Tipo, eu bater à porta da produção exigindo que me devolvessem o dinheiro. Com que argumentos é que enganaram essa pobre gente? Ah, o realizador e o produtor interpretam respectivamente os papéis de tarado sexual e gangster. É uma desculpa para abusarem e apalparem repetidamente as actrizes que obviamente são todas modelos? É que não há nenhuma gorda no filme. Nem sequer surge uma actriz com uma aparência “vulgar”. É bruto, feio, sujo e misógino. Os zombies? Um pretexto para se rodearem de mulheres lindas das quais tirar partido por que isto é arte estão a ver? Mas estou em crer que eles, os homens, se divertiram muito. Já agora, alguém me explica os actores americanos? Ou melhor, os péssimos actores americanos? Sendo que um deles, de raça africana, a dada altura larga o fato por uma aparência mais gueto e a atitude a condizer. Alguém disse a palavra estereótipo? Um dos muitos problemas neste filme de acção/terror/sexploitation é não ter uma identidade claramente definida. É uma mixórdia de ideias, todas as que tiveram provavelmente, que foram agrupadas de modo caótico. Se alguém me dissesse que “Zombie 108” era uma comédia ficava surpreendida. Mais depressa me punha a chorar baba e ranho, de tão mau. Até os zombies, que dão nome ao filme, deixam muito a desejar. Por entre a péssima caracterização, alguns dos zombies são corredores natos enquanto outros se ficam pelo cambalear típico. Decidam-se! E os efeitos são ridículos. Órgãos arrancados, sangue e tripas a escorrer que nunca estão em demasia são, a melhor dizer, escassos. E depois há as tretas patrióticas e a exploração das imagens da inocente criancinha. Deve ter daqueles pais que querem que os filhos se tornem famosos embora, “Zombie 108” mais depressa destrua a possibilidade de ela algum dia ter uma carreira do que a construir. A não ser que, que lhe queiram dar mais uns 20 anos e a coloquem num filme de Chien para ele e companheiros abusarem do seu corpo nu como fizeram com as restantes actrizes. Inqualificável. Meia estrela.

Realização: Joe Chien
Argumento: Joe Chien
Yvonne Yao como Linda
Joe Chien  como Tarado Sexual
Jack Kao como Comandante SWAT
Chloe Lin como Chloe
Kevin Lee como Gangster


Próximo Filme: “Zatoichi", 2003


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