quinta-feira, 31 de agosto de 2017

"Museum: The Serial Killer is Laughing in the Rain" (Myujiamu, 2016)

Atenção aos inúmeros spoilers, vejam o trailer por vossa conta e risco.

“Museum” é a adaptação de uma manga inserida no género de horror de Ryosuke Tomoe que foi publicada durante os anos de 2013 e 2014. A acção centra-se nos homicídios bizarros cometidos por um misterioso Homem-rã e a perseguição que lhe é movida pelo detective Sawamura que tem um interesse pessoal no caso.

A realização esteve a cargo de Keichi Otomo que também dirigiu o live-action do sucesso estrondoso em manga e animação “Rurouni Kenshin”, sob a forma de uma trilogia (2012-2014), cobrindo de grosso modo a respetiva mitologia e seus personagens. Admita-se porém que “Museum” representa um compêndio de três volumes, enquanto a saga “Rurouni Kenshin” teve direito a três filmes, cada um com mais de duas horas e parece não ter existido a pretensão de deixar esta estória aberta à possibilidade de uma continuação. Otome não é um estreante nas andanças da adaptação de publicações de sucesso ao grande ecrã. E quando o material original é bom, é difícil falhar na concretização não é? Pois…

Os créditos iniciais anunciam pompa e circunstância. No meio de chuva torrencial a polícia tenta corresponder à chamada que deseja nunca ouvir: aconteceu um homicídio. Entram em cena os detectives duros e lacónicos de gabardina. O experiente Sawamura (Shun Oguri) e o novato Nishino (Shuhei Nomura) que tenta manter os conteúdos do estômago no seu devido lugar. O corpo de uma jovem mulher assassinada com os requintes de uma besta é encontrado como numa encenação. Essa imagem remete de imediato para outros espaços e temporalidade: “Seven” (1995), “The Bone Collector” (1999) ou até “The Wailing” (2016) vêm à mente. Não será a primeira e também a última vez que tal irá suceder durante o filme. No entanto, o ritmo mais lento é abandonado em favor da exposição da montra de horrores demasiado cedo, fazendo cair a investigação para enveredar pelos tortuosos caminhos de um “Saw” (2004-2010). O aparecimento de novas vítimas sucede a um ritmo rápido e furioso. Uma nota deixada no local, falando numa punição apropriada aos erros cometidos pelas vítimas, anunciam tratar-se de um assassino em série. Esta sequência de eventos conduz a investigação policial ao caso de um assassinato cometido tempos antes e que teria sido solucionado. A forma como as vítimas são apresentadas é impressionante ainda que, de modo casual, uma ou outra encenação possa parecer menos realista. Alguns dos adereços sobretudo os que dizem respeito à anatomia humana têm aparência amadora por comparação com outros surgidos em cenas similares. Porém, o enfoque nas vítimas e no método investigativo é mais célere e aleatório que o início do filme faria antever. “Museum” despacha as vítimas com rapidez para avançar para uma investigação rebuscada, com direito a polícias a demonstrar à boa maneira asiática como conseguem ser incompetentes e pistas cujas interpretação desafia a lógica para se tornar num “Saw” nas suas piores iteracções. De facto, um filme de investigação policial by the numbers como um “Seven” seria sempre mais interessante que o “Sawven” em que seria tornar. Shun Oguri é um excelente actor, capaz de ligar o fogo-de-artifício quando tal lhe é exigido e o seu personagem alterna entre o detective compenetrado e o homem frustrado com muita volatilidade mas aguentar estas cenas é pouco mais que sofrível. O build-up para as cenas dramáticas é quase inexistente, parecendo somente histriónicas. Isto, em conjunção com flashbacks que surgem nas piores alturas se é que eram de todo necessários, transforma a última meia hora num exercício de endurance penoso. No meio de tudo, o Homem-rã, cuja máscara e motivos tinham tido todo o potencial para se tornar num clássico, é quase esquecido. Mais uma vez o passado de um personagem surge à pressa sob a forma de um flashback ainda que este nada esclareça das suas motivações. No tempo presente não se consegue extrair um racional deste assassino para a sua obra e métodos, cujo discurso louco não se coaduna com o de quem passou bastante tempo a planear assassinatos elaborados. Além disso, antecipar e reforçar repetidamente a ideia de que "Museum" irá ser extremo ao ponto de romper com tabus e depois acobardar-se é apenas patético. Para isso, até o "Saw" fez melhor. Salva-se a primeira meia hora. O remanescente é puro engano. Duas estrelas e meia.

Shun Oguri como Detective Hisashi Sawamura
Satoshi Tsumabuki como Homem-rã
Machiko Ono como Haruka Sawamura
Shūhei Nomura como Junichi Nishino
Tomomi Maruyama  como Tsuyoshi Sugawara
Tomoko Tabata como Kayo Akiyama
Mikako Ichikawa como Mikie Tachibana

Próximo Filme: ?

terça-feira, 22 de agosto de 2017

"Annabelle: Creation" (2017)



Assisti há tempos à Conferência de Apresentação de um Festival, uma coisa pequena chamada MOTELX (gritinhos histéricos!), onde foi dado a conhecer um pequeno gostinho do que será a 11.ª Edição, cuja programação foi entretanto relevada. Como habitual, nestas coisas de festivais teve lugar um visionamento-surpresa. Para ser honesta, a exibição de longas numa primeira apresentação à imprensa não é original mas, de facto, só descobri ao que ia quando lá cheguei. Fiquei por isso, um pouco desiludida quando me apercebi que seria exibida a sequela de “Annabelle” (2014). A sério, MOTELX? Estava habituada a filmes indie, por certo longas-metragens de baixo orçamento, mas nunca a continuação de uma película que a despeito de estar inserida na saga de “The Conjuring” é de longe a mais fraca. Ainda mais, se pensarmos que os casos de sequelas superiores aos filmes originais se contam pelos dedos de uma mão.
Estava errada. Em mais sentidos do que um. Apesar de ser conhecida de forma universal por “Annabelle 2”, “Annabelle: Creation” é afinal uma prequela que explica as origens da boneca que tanto terror terá provocado ao casal Warren e o filme representa ainda a segunda incursão no mundo das longas-metragens de uma das novas grandes promessas do cinema de terror, David F. Sandberg. Se não estão familiarizados com a sua película anterior, “Lights Out” (2016), recomendo uma visita rápida ao “cineclube” mais próximo. A curta que inspirou essa longa, está disponível no canal do realizador. Confesso que quando aprecio uma obra originária do cinema independente tenho sempre receio quando os seus criadores dão o salto. Ir parar ao cinema comercial é uma progressão natural na carreira mas, tenho receio que os maus hábitos dos executivos de grandes estúdios que consideram natural impôr as suas opiniões (de)informadas, que se sobrepõem por vezes ao talento contratado. “Annabelle: Creation” felizmente não se enquadra nessa categoria. A acção decorre nos anos 40 e 50, quando os Mullins, casal composto pelo criador de bonecas de porcelana Samuel (Anthony LaPaglia) e Esther (Miranda Otto) perde a filha Bee (Samara Lee) num acidente trágico. Destroçado, o casal isola-se na sua casa e entrega-se ao sofrimento. Doze anos mais tarde, decidem abrir de novo o coração e acolher no seu lar uma freira e seis meninas de um orfanato que ficou sem sede. Ficar ali, pelo menos de forma temporária é a única forma de manter as jovens juntas. O grupo é composto por adolescentes mais velhas que dificilmente serão adoptadas e meninas mais novas, onde se incluem Janice (Talitha Bateman) com mobilidade reduzida após cair vítima de um surto de poliomielite e a sua amiga inseparável Linda (Lulu Wilson). Janice é especialmente susceptível ao encanto de uma boneca de porcelana que encontra nas deambulações pela casa a que se encontra confinada. Apenas Linda se apercebe das mudanças que se operam na amiga.
David F. Sandberg manteve a abordagem que funcionou tão bem em “Lights Out”. Ele está no seu melhor nas cenas que envolvem muita escuridão ao mesmo tempo que manteve as convenções de “The Conjuring” que funcionaram com mais eficácia. Gary Dauberman escreveu o argumento dos dois "Annabelle", notando-se uma subida de qualidade na segunda parte que em muito se deve à nova escolha de realizador. Mas se existe um sinal de que ainda estão por vir muitos trabalhos interessantes de Dauberman, atente-se a “The Nun” e “It”, ambos com estreia em 2018.
O filme é um desfile de caras familiares ao universo de “The Conjuring” e do género de terror em geral. Sandberg foi buscar caras como Lulu Wulson que impressionou em “Ouija: Origin of Evil” (2016), Alicia Vela-Bailey a grande vilã de “Lights Out” ou Joseph Bishara, compositor de vários filmes da saga The Conjuring” e com uma apetência para interpretar o papel de demónios. Do elenco sobressaem Thalita e Lulu como actrizes de fazer envergonhar muito bom actor adulto com muito mais experiências que estas adolescentes, já que Lapaglia e Otto têm pouco que fazer.
Ao contrário de outras sagas que divergem de tom entre filmes, desde a banda-sonora até aos actores, este universo mantém-se fiel a si mesmo. Existe uma ideia de grande coesão desde os demónios aos jumpscares (yep, continua, a funcionar), o que significa que para quem não tenha apreciado os outros filmes da saga, “Annabelle: Creation” não constituirá a excepção. Uma pena porque o universo “The Conjuring” com todas as acusações de repetição dos clichés do género continua a ser uma das sagas mais interessantes e relevantes do panorama do cinema de terror americano dos últimos anos. Três estrelas e meia.
Realização: David F. Sandberg
Argumento: Gary Dauberman
Anthony LaPaglia como Samuel Mullins
Samara Lee como Bee
Miranda Otto como Esther Mullins
Lulu Wilson como Linda
Talitha Eliana Bateman como Janice
Stephanie Sigman como Irmã Charlotte
Mark Bramhall como Padre Massey
Grace Fulton como Carol
Philippa Coulthard como Nancy
Tayler Buck como Kate
Lou Lou Safran como Tierney

Próximo Filme: "Museum" (Myujiamu, 2016)

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

"Kung Fu Yoga" (Gong Fu yu jia, 2017)


“Botched” é um programa americano exibido em Portugal no canal E!, de entretenimento entenda-se, que dá a conhecer sem censura starlets e outros cidadãos anónimos que contactam os cirurgiões de serviço para corrigir ou esconder a porcaria que outros cirurgiões fizeram nas suas mais diversas partes do corpo. A maioria das vezes os cirurgiões do programa conseguem fazer algo para conseguir resgatar a dignidade perdida ou apenas uma aparência estética mais agradável. Digamos que “Kung Fu Yoga” é um filme chinês submetido a uma cirurgia plástica para se assemelhar a uma verdadeira colaboração com o cinema de Bollywood mas a operação cosmética não correu muito bem.

Jackie Chan é Jack um professor de arqueologia do museu chinês de soldados de terracota que se junta uma especialista indiana, a professora Asmita (Disha Patani), para encontrar o fabuloso tesouro Magadha que se deve encontrar algures no Tibete. Ao chegar lá, eles e os seus assistentes, entre outros Jones Lee - Aarif Rahman numa homenagem ao famoso Dr. Jones –, Xiaoguang (Zhang Yixing) e Noumin (Miya Muqi) são surpreendidos por Randall (Sonu Sood) um indiano rico que pretende ficar com o tesouro para si.

Dizer que a homenagem aos filmes de “Indiana Jones” é flagrante é um eufemismo. A personagem de Aarif Rahman não só se chama Jones e utiliza um chicote como é um arqueólogo intrépido. No entanto, todos os indícios de que estariam grandes aventuras por vir não passam disso mesmo. Ele é apenas mais uma das personagens que se passeiam pelo ecrã na qualidade de eye candy e sem apresentar um contributo importante para a narrativa, ela própria pouco mais que perceptível. Por outro lado, não é uma grande novidade e mais uma vez fica bem expresso no ecrã que Jackie Chan já não é o atleta de outros tempos. Ora isso não tem mal nenhum e deixem assentar por um momento a informação de que Chan nasceu em 1954. À data deste filme e com 63 anos ele consegue fazer movimentos com o corpo que jovens com metade da sua idade são incapazes. O seu carisma permanece intacto e ele continua a ser quem tem o melhor timing cómico do elenco multicultural. Com tantos jovens atléticos incluindo novas esperanças do mandopop como Yixing Zhang que tem aptidão para coreografias complexas é surpreendente que este potencial nunca chegue a ser explorado para criativas cenas de acção que possam preencher as evidentes lacunas de Chan. As cenas de acção ficam pois aquém daquilo de que Chan já fez e o vasto elenco poderia fazer. Talvez. Nunca saberemos. Mais estranho ainda é o facto de “Kung Fu Yoga” constituir uma das reuniões menos felizes de Chan com Stanley Tong, depois de “Rumble in the Bronx” (1995) ou “The Myth” (2005). Quem não soubesse diria que não estiveram para despender muita energia. “Kung Fu Yoga” também representa um retrocesso na carreira de Chan que já demonstrou ter capacidade dramática e parecia estar a encaminhar a sua carreira para escolhas mais calmas para o seu físico. Ainda que sejam sempre um regalo para a vista as cómicas e complexas sequência de acção de Jackie Chan, ele já fez muito melhor e, na verdade, quem é que quer ver Chan tornar-se embaraçoso, numa carreira antes gloriosa enquanto artista de cinema e artes marciais?

Uma das cenas mais marcantes deste filme envolve ainda Chan e um animal virtual que é representativo do pior CGI de que o cinema chinês é capaz, como também sucedeu no recente “The Mermaid” (2016) de Stephen Chow, um dos filmes com maior sucesso de bilheteira no país de sempre, e que falha de forma tão arrasadora no campo dos efeitos gerados por computador. Também a colaboração entre a Índia e a China se revela desinspirada. De facto o filme parece adoptar uma perspectiva etnocêntrica que é claramente desvantajosa no que respeita ao retrato da Índia. De facto, todas as alusões ao país surgem sobre a forma de estereótipos chineses do que é o grande país. Algumas situações são retiradas quase a papel químico dos filmes dos anos 80 e 90 como o “Indiana Jones”. Um sucedâneo de qualidade inferior made in China que não o consegue disfarçar. Duas estrelas.
Realização: Stanley Tong
Argumento: Stanley Tong
Jackie Chan como Jack
Disha Patani como Ashmita
Amyra Dastur como Kyra
Aarif Rahman como Jones
Miya Muqi como Nuomin
Sonu Sood como Randall
Paul Philip Clark como Max
Yixing Zhang como Xiaoguang

Próximo Filme: "Annabelle: creation" (2017)
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